THE BLACK PEOPLE CULTURES

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Wednesday, April 12, 2017

CULTURA E EXPERIÊNCIA RELIGIOSA: A RELIGIÃO É A “ALMA DA CULTURA”


* Indication of books about this matter for personal deepening:
. CONCÍLIO ECUMÊNICO VATICANO II, 1962-1965, Cidade do Vaticano. Gaudium et Spes. In: VIER, Frederico (Coord. Geral). Compêndio do Concílio Vaticano II. 22. ed. Petrópolis: Vozes, 1991, p. 141-256.
. DURKHEIM, Émile.  As formas elementares da vida religiosa. 2. ed. São Paulo: Paulus, 1989.
. GONZALEZ, Carlos Ignázio. Ele é a nossa salvação. São Paulo: Loyola, 1992.
. IMBAMBA, José Manuel. Uma nova cultura para mulheres e homens novos. Luanda: Paulinas, 2003.
. LANGA, Adriano. A oração cristã e exigências da inculturação. Maputo: Ed Paulistas, 1993.
. NUNES, José. Didaskalia. Dezembro 2008, p. 3. Disponível em:
. RÉVILLE, A. Prolégomènes à histoire des religions.
. SCHREITER, Robert J. A nova catolicidade: a teologia entre o global e o local. São Paulo: Loyola, 1998.
. SUSIN, Luiz Carlos. Os salmos na vida cristã. Porto Alegre: ESTEF São Lourenço de Brindes, 1976.
. TILLICH, Paul. Symbol und Wirklichkeit. Goettingen: Vandenhoeck & Ruprecht, 1966.
. TILLICH, Paul. Théologie de la culture. Paris: Ed. Planète, Paris 1968.
. ___________.  Teologia da cultura. São Paulo: Fonte Editorial, 2009.
. ZILLES, Urbano. Significação dos símbolos cristãos. 6. ed. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2006.

A cultura é reveladora da identidade do ser humano. Trata-se de uma característica que lhe é realmente fundamental. É inconcebível o ser humano fora da cultura, pois esta é um modo específico de ser do homem e da mulher. A cultura está entranhada em seu ser. São características fortes da cultura: “a comunhão, a unidade, a diversidade, a intersubjetividade e o caráter social da existência humana”[1]. De uma forma mais concreta, ela pode ser definida como “a maneira de pensar, a mentalidade de um grupo humano, e que explica as maneiras de proceder (modo de vida) desse grupo”[2]. É aí que se compreende a riqueza da diversidade cultural e o quanto se ganha quando essa diversidade é valorizada e promovida.

       Além da identidade e mentalidade, a cultura tem muito a ver com tarefa, missão, responsabilidade, perpetuidade. O ser humano quando cria, revela o transbordamento do seu interior criativo, mas visa também uma contribuição, enquanto legado, para as futuras gerações[3]. Compreendemos esta riqueza interior criativa e inesgotável em relação ao próprio Criador, que dotou o ser humano com as faculdades necessárias para tal fim. Neste sentido, ele é cultura e faz cultura. Segundo J. M. Imbamba, a cultura não é obra de Deus nem da natureza e muito menos do acaso; ela é obra do ser humano; é fruto do seu gênio, da sua fantasia e criatividade, da sua inteligência e vontade; é tudo aquilo que o ser humano cria graças às faculdades privilegiadas que possui[4]. Isto de modo algum deve nos levar a “pensar que as obras do engenho e poder humano se opõem ao poder de Deus, ou de considerar a criatura racional como rival do Criador” (GS 34). No entanto,

Ao afirmarmos que o ser humano é criador da cultura, não pretendemos dizer que a cria do nada (atividade exclusiva de Deus, por isso é o Ser Supremo), pois, neste caso, o ser humano não passa duma ‘causa instrumental livre’ com o mandato divino de dominar e administrar as coisas deste mundo. Eis porque é que a cultura é a resposta do ser humano ao querer (providencial) divino; eis porque é que, além de humanizar, o ser humano, através da cultura, deva também glorificar o seu criador.[5]

       É, portanto, vontade divina que o ser humano seja criativo culturalmente e é assim que ele se define em meio aos demais seres criados. Mas, segundo J. M. Imbamba, o processo não é automático, pois, para que o ser humano possa produzir cultura, requer que haja uma aprendizagem, uma educação, enfim, um empenho constante. E ainda assim será passível de contradições por causa das limitações próprias do ser homem e mulher[6]. Isso não impede a caminhada insistente e perseverante em vista do prolongamento e aperfeiçoamento da obra do seu Criador[7].

       Mesmo que o ser humano seja capaz de criar, nada seria possível se uma força maior não o impulsionasse para isso. Ele vai, então, tomando consciência de que há uma força onipotente que o torna criativo e, ao mesmo tempo, o supera[8]. Para se chegar a esta consciência, as religiões tem exercido um papel fundamental. Elas buscam responder às questões mais profundas do ser humano em sua aspiração para o infinito, pondo-o em comunhão com aquele que ele concebe como seu Criador[9] e irmanando-o com os demais. Por isso alguns autores sustentam que “a religião é a alma da cultura”[10]. O autor Paul Tillich utiliza uma expressão correspondente ao afirmar que “a religião é a substância que dá sentido à cultura”[11]. Concorda com esta verdade J. Nunes, ao recordar situações que reforçam ainda mais a compreensão da religião como alma da cultura. Segundo ele, a religião

(...) quase sempre foi factor de coesão social (visível em manifestações públicas ou festas comunitárias, por exemplo, as da religiosidade popular aqui no nosso país), foi matriz da maior parte dos elementos culturais (no caso do cristianismo veja-se como ensinou a escrever, a pensar, a expressar-se estética e arquitectonicamente), foi até, nalguns casos, factor de desenvolvimento científico (...), é capaz de oferecer um sentido e uma ‘sanção’ ao esforço humano (notemos que o cristianismo, bem como as demais religiões, transportam consigo uma ética e uma resposta às ânsias de salvação, permitindo até integrar as experiências do fracasso e do limite próprias da experiência humana). A religião, afinal, e em última instância, oferece uma pauta de humanização à cultura, a toda e qualquer cultura.[12]

         Isso nos faz entender que todo grupo cultural tem sua experiência religiosa, que garante a coesão do grupo, motivando uma maneira de ser, de pensar e agir. Sobre esta importante atuação da religião no seio da cultura, assim também se expressa É. Durkhein:

Os indivíduos que a compõe se sentem ligados uns aos outros pelo simples fato de terem uma fé comum. Uma sociedade cujo membros estão unidos pelo fato de conceber, da mesma maneira, o mundo sagrado e suas relações com o mundo profano, e de traduzir essa concepção comum em práticas idênticas.[13]

        São estas práticas que resgatam o sentido do sagrado no mundo. Esta sacralização acontece em meio às celebrações, em que o ser humano busca a comunhão com a divindade, visibilizando sua presença. Os símbolos, neste sentido, representativos ou cultuais, exercem um papel fundamental, sendo o elemento central das diversas concepções de salvação[14]. Eles fazem parte da riqueza interior do ser humano, que é comunicada como expressão e produção cultural. O símbolo não vale pelo que é em si, mas pelo que significa. Assim sendo, um abraço, um gesto, um movimento, ou uma ação traz um significado que os ultrapassa enquanto situações visíveis.

        Quando nos referimos aos símbolos religiosos, essa verdade parece ainda mais notável. Sobre isso, U. Zilles, citando Paul Tillich, afirma que o sentido dos símbolos religiosos “consiste em ser a linguagem da religião, a única linguagem através da qual a religião se pode expressar de maneira imediata”[15]. Porém, os símbolos variam muito de uma cultura a outra, de uma religião a outra. Símbolo que numa religião ou cultura é cheio de significado, para outra, não tem significado algum[16]. Segundo L. C. Susin, “os símbolos possuem uma nota comum, mas ganham direções polivalentes. Para saber a força do símbolo e a sua direção, é necessário saber que experiência se tem deste símbolo dentro da cultura em que está”[17].

         A religião não se opõe à cultura, pelo contrário, é fonte de sua vitalidade e de seu senso sagrado. É na utilização de símbolos que a religião permite ao ser humano enxergar além e o oculto[18]. Por isso se diz que o símbolo tem algo de misterioso e encantador. Se tomarmos a Sagrada Escritura, vemos a criação como um símbolo todo particular da bondade, generosidade e grandeza do seu Criador. Se tomarmos as culturas afro-brasileiras, percebemos o quanto a experiência religiosa está arraigada em tudo o que fazem e o quanto esta experiência se torna fator de identidade e sobrevivência.

Author: Josuel Degaaxé dos Santos Boaventura PSDP - Fr Ndega
Theological review: Dr. Fr Luis Carlos Susin






[1] IMBAMBA, José Manuel. Uma nova cultura para mulheres e homens novos, p. 27s.
[2] LANGA, Adriano. A oração cristã e exigências da inculturação, p. 78.  Outra definição bem sintética, nesta mesma direção, temos com R. J. Schreiter: “Composição de elementos ideacionais (visão de mundo, valores, regras de comportamento), elementos operacionais (rituais e papéis) e elementos materiais (língua, símbolos, comida, roupas, residências e outros artefatos” (SCHREITER, Robert J. A nova catolicidade, p. 89).
[3]  “(...) quanto mais aumenta o poder dos seres humanos, tanto mais cresce a sua responsabilidade, pessoal e comunitária” (GS 34).
[4] Cf. IMBAMBA, José Manuel. Op. cit., p. 32.
[5] IMBAMBA, José Manuel. Op. cit., p. 33. Em sintonia com esta ideia, citamos um trecho da constituição pastoral Gaudium et Spes, que diz: “A atividade humana individual e coletiva, aquele imenso esforço com que os homens, no decurso dos séculos, tentam melhorar as condições de vida, considerado em si mesmo, corresponde à vontade de Deus. Pois o homem, criado à imagem de Deus, recebeu o mandamento de dominar a terra com tudo o que ela contém e governar o mundo na justiça e na santidade e, reconhecendo Deus como Criador universal, orientar-se a si e ao universo para ele; de maneira que, estando todas as coisas sujeitas ao homem, seja glorificado em toda a terra o nome de Deus” (GS 34).
[6]  Cf. Ibid., p. 33. 
[7] Os seres humanos “prestam conveniente serviço à sociedade, com razão podem considerar que prolongam com o seu trabalho a obra do Criador, ajudam os seus irmãos e dão uma contribuição pessoal para a realização dos desígnios de Deus na história” (GS 34).
[8] Cf. DURKHEIM, Émile. As formas elementares da vida religiosa, p. 55.
[9] “A religião, diz A. Réville, ‘é a determinação da vida humana pelo sentimento de um laço que une o espírito humano ao espírito misterioso, cuja dominação reconhece sobre o mundo e sobre si mesmo e ao qual gosta de se sentir unido” (RÉVILLE, A. Prolégomènes à histoire des religions, p.34. Apud. Durkheim Émile. Op. cit., p. 60).
[10] Trata-se de uma expressão utilizada por diversos autores, mas desconhecemos quem realmente a formulou. Podemos encontrar referência sobre o seu sentido em DURKHEIM, Émile. Op. cit., p. 75 e TILLICH, Paul. Théologie de la culture. Paris: Ed. Planète, Paris 1968, p.92. Apud. NUNES, José. In: Didaskalia, Dezembro 2008, p. 3.
[11] TILLICH, Paul. Teologia da cultura, p. 83.
[12] NUNES, José. Op. cit., p. 3.
[13] DURKHEIM, Émile. Op. cit., p. 75.
[14] Cf. GONZALEZ, Carlos Ignázio. Ele é a nossa salvação, p. 35.
[15] TILLICH, Paul. Symbol und Wirklichkeit. Goettingen: Vandenhoeck & Ruprecht, 1966. Apud. ZILLES, Urbano. Op. cit., p. 11.
[16] “(...) Os símbolos têm valor fixo, para todos os homens, e ao mesmo tempo tomam direção de acordo com a cultura, a consciência, a religião. Por exemplo, o sol: pode ser ‘senhor’ e ‘Deus’, ou pode ser senhor e irmão. Que seja senhor é valor fixo. Que seja Deus para alguns e irmão para outros é direcionado” (SUSIN, Luiz Carlos. Os salmos na vida cristã., p. 91).
[17] Ibid., p. 18.
[18] “Símbolo é mais do que um mero sinal convencional que aponta para outra coisa, como seria a seta indicadora na estrada. O símbolo é a condensação de uma realidade da qual ele participa. Aponta para dentro de si mesmo. Ver o símbolo é ver a realidade que não se esgota na visão. Saborear o símbolo é saborear a realidade que não se esgota nesse sabor” (Ibid, p. 83).

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