THE BLACK PEOPLE CULTURES

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Monday, June 26, 2017

CARACTERÍSTICAS DAS CULTURAS RELIGIOSAS AFRICANAS TRANSPORTADAS PARA O BRASIL


* Indication of biography about this matter for personal deepening:
. BASTIDE, Roger. As religiões africanas no Brasil. 3. ed., São Paulo: Biblioteca Pioneira de Ciências Sociais, 1989.
. BERKENBROCK, Volney. J. A experiência dos Orixás: um estudo sobre a experiência religiosa no candomblé. Petrópolis: Vozes, 1997.
. CHIAVENATO, Júlio J. 13 de maio, outra mentira. Sem Fronteiras, São Paulo, n. 159, p. 20-23, maio de 1988.
. CINTRA, Raimundo. Candomblé e Umbanda: o desafio brasileiro. São Paulo: Paulinas, 1985.
. CELAM. Texto conclusivo da V Conferência do Episcopado Latino-americano e caribenho (DAp.). São Paulo: Paulinas, 2008.
. FREITAS, Décio. O escravismo brasileiro. 2. ed., Porto Alegre: Mercado Aberto, 1982.
. GARAEIS, Vitor Hugo. A história da escravidão negra no Brasil. Disponivel em http://sorvitorhugo.blogspot.it/2012/07/historia-da-escravidao-negra-no-brasil.html Acesso em 11 de junho de 2017.
. MATTOS, Regiane Augusto de. História e cultura afro-brasileira. São Paulo: Contexto, 2011.
. MATTOSO, Kátia de Queirós. Ser escravo no Brasil. São Paulo: Brasiliense, 3. ed., 1990.
. REHBEIN, Franciska C. Candomblé e salvação. São Paulo: Loyola, 1985.
. TOLEDO, Roberto Pompeu de. À sombra da escravidão. in. Veja, ano 29, n. 20, 15 de   maio de 1996.


As culturas afro-brasileiras descendem de povos essencialmente religiosos e que encontram no exercício desta dimensão o sentido para a sua existência. Num primeiro momento, queremos lançar um olhar sobre suas características a partir de sua experiência na África e, em seguida, nos deteremos um pouco na forma dramática em que se deu a transposição de toda esta riqueza de valores para o Brasil.

      O campo de alcance da nossa pesquisa refere-se à África Subsaariana, dividida em três grandes áreas: Ocidental, Centro-Ocidental e Oriental[1]. Nestas áreas, reinos poderosos praticavam atividades de mineração, agricultura, comércio e escravidão. Os escravos - como é o caso do reino haússa (Nigéria) - trabalhavam como criados, artesãos, soldados, carregadores, funcionários públicos e agricultores[2]. Alguns - como no caso dos escravos songai - possuíam encargos de confiança, eram eunucos e compunham as grandes cavalarias[3]. A maioria destes povos “praticava a escravidão doméstica para aumentar o número de membros da família ou da linhagem”[4]. Esta situação de escravidão sempre caracterizou a vida desses reinos, mas não se compara à que houve na América Latina, a partir do século XVI[5].

         Merece destaque também a figura do rei que, entre os povos yorubá, “tinha um poder sagrado, originário dos Orixás, aos quais se uniria depois de morto”[6]. Já entre os charanga, povos de origem bantu, os reis eram conhecidos como monomotapa, considerado um rei divino, por ter poder de se comunicar com Deus através de médiuns[7]. Este jeito de ver o governante é decorrente de sua experiência religiosa. O sistema de governo exerce influência na formação dum sistema religioso de mediação: o rei com seus ministros intermediários e seus súditos. Assim, temos o Ser supremo com muitos espíritos ancestrais e os seres humanos[8]. Outro aspecto que parece comum nestas sociedades é a existência do Conselho e a escuta aos idosos, segundo a autora R. A. de Mattos: “(...) Todas as sociedades africanas organizavam-se em torno das linhagens e dos conselhos dos anciãos, nas quais davam-se grande importância aos homens mais velhos da comunidade e aos ancestrais mortos”[9].

      Várias sociedades africanas professavam apenas as religiões tradicionais, enquanto outras, por conta dos intercâmbios comerciais, foram influenciadas também pelo islamismo[10]. É bom frisar que a presença do islamismo em muitas culturas africanas, não impediu que as religiões tradicionais mantivessem o seu funcionamento. Há situações em que os reis e a nobreza aderiram ao islamismo, mas a maior parte da população permaneceu adepta das religiões tradicionais, oferecendo sacrifícios aos ancestrais e participando de rituais para obter fertilidade e chuvas. Nestes casos, os reis cultivavam a dupla pertença, pois, para não perder o poder, também praticavam os rituais tradicionais[11].

        Há outros casos em que certa cultura conseguiu resistir no início, mas por força maior, teve que aderir, como foi o caso do reino dos songai, que “preservaram-se fiéis as suas tradições religiosas até o final do século XV, quando militares e clérigos muçulmanos dominaram o poder”[12], obrigando toda a população a seguir o islamismo. Há, no entanto, registro de conflitos entre os haússa, pois seus governantes aderiram ao Islã, enquanto os súditos continuavam fiéis às crenças tradicionais[13].

    Havia certa rivalidade entre estes povos motivada, entre outras causas, pela necessidade de ampliação de territórios. Esta é uma das causas da existência de escravos, pois “os povos subjugados passavam a ser tributários e submetidos à servidão”[14]. Os colonizadores europeus, ao chegarem em terras africanas, já tinham o conhecimento desta situação e contribuíram para aumentar as rivalidades: alimentaram as guerras tribais[15] e, sobretudo, abalaram fortemente esses conjuntos sociais e culturais, fazendo desaparecer certas tradições, como foi o caso da “família ampliada” [16], também chamada “alargada”. Os portugueses iniciaram suas transações comerciais nos golfos de Benin e de Biafra, desde a segunda metade do século XV.[17] Geralmente compravam escravos que já vinham da troca por ouro na Costa da Mina e que eram, em geral, prisioneiros de guerra ou criminosos[18].   

     O tráfico, que teve início no século XVI, chegou ao seu fim somente no século XIX (1815), quando foi proibido pelo Congresso de Viena, embora Portugal tivesse assinado um acordo com a Inglaterra ainda em 1810, comprometendo-se a extinguir o comércio de escravos na África[19]. Antes de embarcar nos navios tumbeiros, os africanos e africanas recebiam o batismo[20] e eram marcados a ferro quente com as iniciais ou símbolos dos proprietários[21]. Não se sabe ao certo, quantos foram embarcados para o Brasil, mas tem-se a estimativa de mais de quatro milhões de pessoas, o que corresponde a 40% do total das Américas. P. Calmon fala de 6 milhões, enquanto A. de Taunay reduz para 3 milhões e seiscentos mil[22]. Já P. Calógeras, citado por R. Cintra, avalia em mais de 15 milhões, baseando-se em cálculos sobre a capacidade dos navios e das viagens marítimas[23]. Não há consenso, na verdade; o que se sabe é que nem todos chegavam vivos. Sobre a classificação destes povos, R. Cintra costuma dividir em três grandes grupos, correspondendo aos diversos ciclos do tráfico escravagista:

1) Culturas sudanesas, representadas principalmente pelos povos Iorubás da Nigéria (Nagô, Ijêcha, Egbá, Ketu, Ibadan, Ijebú) e do Daomé (grupo Gêge ou Ewe, Fon ou Efan) pelo grupo Mina, da Costa do Ouro (Fanti, Ashanti), por grupos menores da Gâmbia, da Serra Leoa, da Libéria, da Costa de Malagueta, da Costa de Marfim (Krumano, Agni, Zema, Teminí, Gós, Tehis, etc.); 2) Culturas Guineano-sudaneses islamizados, representados em primeiro lugar pelos Peuhl (Fulah, Fula), depois pelos Mandinga (Solinke, Bombara), pelos Haussá do norte da Nigéria e por grupos menores, como os Tapa, Bornu, Gurunsi, Kanuris e outros; 3) Culturas bantos, constituídas por numerosas tribos do Congo, de Angola e da Contra-Costa (Cabindas, Benguelas, Macuas, Angicos, Caçanges, Rebolos, Muxincongos).[24] 

     A essas alturas, os portugueses, sem se darem conta, estavam introduzindo nesta terra, pessoas de tradições muito diferentes umas das outras, de religiosidade bem diversificada; pessoas que ao se reencontrarem poderiam ter se destruído mutuamente por causa da rivalidade existente entre elas[25]. Mas isso não aconteceu, pois, diante da destruição causada em suas terras e em suas vidas, restava somar forças e sobreviver na nova situação, buscando resgatar os valores de suas tradições.

      Na verdade, o projeto colonizador de impedir a comunicação entre as famílias africanas não alcançou o êxito esperado, pois, assim como o tráfico não cessava, não cessava também a contínua renovação das “fontes de vida”, estabelecendo um contato permanente entre os antigos escravos ou seus filhos e os recém-chegados, abrindo novos horizontes, reacendendo esperanças. Juntava-se ao grupo, com frequência, sacerdotes, adivinhos, médicos-curandeiros, fazendo com que houvesse, durante todo o período escravista um rejuvenescimento dos valores religiosos[26].

      Os africanos e seus descendentes, pessoalmente ou em grupo, procuravam cultivar sua relação íntima com os espíritos dos ancestrais para viverem com sentido, não obstante a situação que lhes fora imposta. Eles não tinham mais esperança de voltar para a África geográfica, mas traziam em suas vidas a “África ancestral”, espiritual e religiosa, para onde voltariam após a morte. Ao seu modo, procuravam manter vivas as suas raízes e seu sentimento de pertença, que o cativeiro e toda a situação de dor e sofrimento não conseguiu tirar de suas vidas.

       Como já é sabido, todo este processo escravagista era legitimado por “ideias religiosas e racistas que afirmavam a superioridade e os privilégios da minoria branca”[27]. Durante as comemorações dos quinhentos anos de evangelização, este grande erro foi recordado e reparado com gestos e pedidos de perdão feitos pela autoridade eclesiástica. Recentemente, as culturas afrodescendentes foram reconhecidas pela “expressividade corporal, o enraizamento familiar e o sentido de Deus” (DAp. 56), que têm contribuído muito para que o processo evangelizador aconteça de forma cada vez mais dinâmica e comprometida. O engajamento de muitos afrodescendentes nas diversas lutas sociais e suas justas reivindicações, não faz oposição à fé, mas a expressam de forma concreta e coerente. Por isso é que tais características, próprias das culturas negras presentes em grande parte do mundo, encontram ampla conformidade com a proposta cristã de vida digna para todos/as.

Author: Josuel dos Santos Boaventura PSDP - Fr Ndega
Theological review: Dr. Fr Luis Carlos Susin





[1] Cf. MATTOS, R. A. de. Op. cit., p. 15.
[2] Cf. Ibid., p. 35.
[3] Cf. Ibid., p. 25.
[4] Ibid., p. 57.
[5] Tendo sido invadida a América, no final do século XV (1492) e, em particular, o Brasil, no início do século XVI (1500) a sede de riquezas, a ganância econômica e o desrespeito cultural vão levar os colonizadores a explorar o vasto interior brasileiro, organizando expedições à procura de metais preciosos. O que num primeiro momento esta terra lhes podia oferecer eram algumas plantas medicinais, o pau-brasil, papagaios multicores e macaquinhos divertidos. Nativos sem roupa havia aos milhares, mas nada disso despertou, logo, grande interesse de exploração. Com o avanço de outras nações europeias e temendo perder tudo isso, Portugal inicia, a partir de 1530 uma tal devastação que tem os seus resquícios até os dias de hoje. Como mão-de-obra ele transportou pessoas da África como escravas, pois o seu plano de escravizar indígenas não deu muito certo (cf. BASTIDE, R. Op. cit. p. 47-48). Entre as razões do insucesso da escravidão indígenas, o autor D. FREITAS menciona o estado de vida aborígene nômade e as mortes causada “pelo mortífero contágio com as doenças europeias” (FREITAS, D. Op. cit., p. 23).
[6] MATTOS, R. A. de. Op. cit., p. 45.
[7] Cf. Ibid., p. 49.
[8] REHBEIN, F. C. Op. cit., p. 30.
[9] MATTOS, R. A. de. Op. cit., p. 57. O autor R. Cintra apresenta outras características destas culturas: “Os bantos do Congo e da Angola parecem ser os mais primitivos. Viviam nas florestas ou nas planícies perto da costa, em pequenas aglomerações ou tribos. As habitações eram choças em colmo ou cabanas redondas de teto cônico. O vestuário era rudimentar (...) Havia uma grande variedade de raças e línguas, conforme os grupos localizados ao Norte, ao Sul ou ao Centro. Dedicavam-se ao pastoreio ou à agricultura rudimentar com enxadas de pau (Artur Ramos). Os mais civilizados eram os sudaneses, iorubás, nigerianos ou daomeanos. Eram altos, corpulentos e ativos. Viviam em cidades, possuíam postos com embarcações. Seus chefes eram tratados pelos portugueses como reis. Conheciam a tecelagem e negociavam com os estrangeiros “panos da costa”. Tinham ferreiros e artistas em cobre, ouro e madeira. Criavam animais de grande e médio porte: cavalos, gados, cabras, carneiro. Tinham habitações e adobe e construíam fortificações. Os sudaneses islamizados haussás, malês conheciam os progressos da cultura árabe. Possuíam armas mais aperfeiçoadas. Os fanti e ashanti, bem como os habitantes da Costa do Ouro e do Golfo da Guiné (...) Negociavam o ouro com os portugueses e sabiam trabalhar metais. Os mais poderosos, particularmente os regulos do Daomé e de lagos, (...) praticavam o escambo com os portugueses (...), trocando escravos por rolo de fumo (12 rolos de fumo a troco de um escravo). Aguardente, açúcar, farinha de mandioca, fazenda grosseiras, quinqüilharias orientais, pólvoras e armas eram também mercadorias usadas no escambo” (CINTRA, R. Op. cit. p. 32).
[10] MATTOS, R. A. de. Op. cit., p. 57. É conveniente citar também um trecho da mesma autora na página 18: “O comércio transaariano proporcionou também o contato com o islamismo, religião monoteísta, fundada por Maomé (570-632) e baseada nas escrituras do Alcorão. Em muitos reinos sudaneses, sobretudo entre os reis e as elites, o islamismo foi bem recebido e conseguiu vários adeptos, tendo chegado à região da savana africana, provavelmente, antes do século XI, trazido pela família árabe-berbere dos Kunta”.
[11] Cf. MATTOS, R. A. de. Op. cit., p. 32. Aqui a autora se refere aos povos sereres e os jalofos, habitantes da Senegâmbia, área entre o deserto do Saara e a floresta equatorial, nas bacias dos rios Senegal e Gâmbia.
[12] Ibid., p. 24.
[13] Cf. Ibid., p. 35.
[14] Ibid., p. 65.
[15] Esta ideia é reforçada por V. Berkenbrock: “Os escravizados eram em sua maioria ou prisioneiros de guerras ou produto de caça com objetivo escravizador. Os traficantes de escravos provocavam inimizades entre chefes africanos, aumentando assim as guerras e consequentemente o número de pessoas feitas disponíveis para a escravidão” (BERKENBROCK, V. J. Op. cit., p. 69).
[16] A família ampliada, que era composta da esposa ou das esposas, pai, filhos, primos, tios, avós, etc. (Cf.  MATTOSO, K. de Q. Op. cit., p. 27).
[17] “A tese mais aceita é a de que em 1538, Jorge Lopes Bixorda, arrendatário de pau-brasil, teria traficado para a Bahia os primeiros escravos africanos” (GARAEIS, V. H. Op. cit).
[18] Cf. MATTOS, R. A. de. Op. cit., p. 74.
[19] Cf. Ibid., p. 95.
[20] Conceder o batismo ao negro antes da partida estava ligada à idéia de que “negro não tinha alma”, ficando assim reduzido ao nível dos animais. E não tendo alma, podia ser escravizado, mas não podia entrar em “Terras de Santa Cruz” (Brasil) como “pagão”. O batismo também era uma espécie de “ato de caridade”, pois se morresse durante a viagem podia entrar direto no céu (cf.  CHIAVENATO, J. J. Op. cit., ps. 20-23). Na verdade, a expressão “recebiam o batismo” é inadequada. O que acontecia realmente era uma imposição do batismo.
[21] Cf. MATTOS, R. A. de. Op. cit., p. 100s.
[22] Cf. BASTIDE, R. Op. cit., p. 50s.
[23] CALÓGERAS, Pandiá. A política exterior do império, p. 283s apud CINTRA, R. Op. cit., p. 24. Alguns detalhes desta viagem encontramos em TOLEDO, R. P. de. Op. cit., p. 59. Veja também em GARAEIS, V. H. Op. cit.
[24] CINTRA. Raimundo. Op. cit., p. 32; Veja dados correspondentes e complementares em BASTIDE, R. Op. cit., p. 67.  Quanto ao destino de toda esta gente, é significativa a colocação que R. CINTRA faz: "(...) Os sudaneses, particularmente os Iorubás ficaram mais na Bahia e no Nordeste, os daomeanos, particularmente os Gêges, foram para o Maranhão. Há também representantes na Bahia e em Pernambuco. Os Haussas, malês e mandingas, espalhados pelo Nordeste, foram os principais responsáveis pelos Quilombos; os bantos espalhados um pouco pelo Brasil inteiro, são mais numerosos no Rio de Janeiro, em Minas Gerais e nos Estados do Sul” (Ibid., p. 32s).
[25] Cf. BASTIDE, R. Op. cit., p. 68.
[26] Cf. Ibid., p. 69.
[27] GARAEIS, V. H. Op. cit

3 comments:

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  2. Parabéns pelo texto! Infelizmente, no Brasil, carecemos de estudos sobre a religiosidade "africana". Pois a mesma, inúmeras vezes, é tratada com um "perjorativismo" extremo.

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  3. Obrigado Assis pelo seu comentário. Fico feliz por vc ter esta consciência historica. Acredito que podes contribuir muito para superarmos tanto pejorativismo non somente com relação a religiosidade afro, ma modo de ser, de se expressar, de se vestir, etc. Um abraço!

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