THE BLACK PEOPLE CULTURES

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Tuesday, October 17, 2017

A REVELAÇÃO É INICIATIVA DIVINA


* Indication of biography about this matter for personal deepening:

CONSENTINO, Francesco. Immaginare Dio. Assisi: Cittadella Editrice, 2010.
DALLARE, Carlo. Quando dici Dio. Bologna: Centro Editoriale Dehoniano, 2004.
DOS SANTOS BOAVENTURA, Josuel. O Deus único nas distintas formas de revelação. Porto Alegre. Disponível em:
FORTE, Bruno. Parola e silenzio nella riflessione teologica. Disponível em:  http://www.nostreradici.it/parola_silenzio.htm. Acesso em 10 de setembro de 2017.
__________.  Per dire Dio ai cercatori di Dio. Disponível em: https://it.zenit.org/articles/arcivescovo-bruno-forte-per-dire-dio-ai-cercatori-di-dio/ Acesso em 11 de setembro de 2017.
__________.  Teologia fra parola di Dio e parola degli uomini. Disponível em: http://www.ceam.chiesacattolica.it/2017/03/17/prolusione-di-bruno-forte-ai-corsi-di-teologia-della-cattolicaragazzi-siate-mendincanti-del-cielo/ Acesso em 11 de setembro de 2017.
GOMES, C. F. A Revelação divina. REB vol. 26, fasc.4, 1966, p. 816 –837.
CONCÍLIO ECUMÊNICO VATICANO II, 1962-1965, Cidade do Vaticano. Gaudium et Spes. In: VIER, Frederico (Coord. Geral). Compêndio do Concílio Vaticano II. 22. ed. Petrópolis: Vozes, 1991, p. 141-256.
__________. Dei Verbum. In: VIER, Frederico (Coord. Geral). Compêndio do Concílio Vaticano II. 22. ed. Petrópolis: Vozes, 1991, p. 119-139.
KASPER, Walter. Der Gott Jesu Christi, Mainz, 1982, trad. Esp., El Dios de Jesucristo, Salamanca, 1985.
LATOURELLE, Renê. Teologia da Revelação. 3. ed. São Paulo: Paulinas, 1985.
LIBANIO, João Batista. Teologia da Revelação a partir da modernidade. São Paulo: Loyola, 1992.
TORRES QUEIRUGA, Andrés. Autocompreensão cristã. São Paulo: Paulinas, 2007.
__________.  Repensar o pluralismo: da inculturação à inreligionação. Concilium, Petrópolis-RJ, n. 319, p.110-113, jan. 2007.
__________.  El Dios de Jesús: aproximacion en quatro metáforas., p. 4s. disponivel em http://www.servicioskoinonia.org/biblioteca/teologica/queirugadiosparahoy. Acesso em 06 de junho de 2012.
__________. Repensar a revelação. São Paulo: Paulinas, 2010.
SUSIN, Luiz Carlos. A criação de Deus. 2. ed., São Paulo: Paulinas; Valência, ESP: Siquem, 2010 (Coleção Livros Básicos de Teologia 5).

Vimos como é central nas culturas o senso do sagrado e como, através da dimensão religiosa, o ser humano encontra razão e sentido para viver. Isto é possível pelo fato de as culturas serem “lugar teológico”, onde se pode reconhecer que Deus se revela na generosidade e, no seu amor livre e incondicional, quer se dar plenamente. É a partir do seio “da própria cultura, com suas inquietudes e suas contribuições, com seus sucessos e suas desconfianças, de onde se procura compreender esse mistério humilde e magnífico que interpretamos como revelação de Deus”[1]. Segundo o autor Bruno Forte, existem duas palavras para falar sobre este assunto: apokalypsis e re-velatio. Uma vem do grego e a outra, do latim. Quando dizemos Re-velar significa “tirar o véu”. Mas esta palavra latina é composta de dois significados: um é de tirar e o outro é de intensificar[2]. Há o que se falar, mas há também espaços para o silêncio, para uma busca constante e sempre mais profunda, pois “as palavras são sempre o começo, que exige um ir além das palavras em si rumo às profundezas de Deus”[3]. Podemos dizer que a revelação de Deus intensificou ainda mais a busca do ser humano por ele.  

        A revelação é um processo dinâmico através do qual Deus se manifesta no seio das culturas e religiões, impulsionando o ser humano para que capte sua presença. Deus ama a todos e todas por igual e, se ama, está se revelando.  Ele não nos rouba espaço, mas conosco age para que aconteça a história: quanto mais ele está presente, mais nos faz ser; quanto mais acolhemos sua ação, tanto mais realizamos a nós mesmos. Ele não anula o nosso ser, mas o leva à sua afirmação plena em Jesus Cristo, no qual se realiza o melhor de nós. O Deus anunciado por Jesus Cristo toma a iniciativa, tanto para conduzir-nos à dimensão do existir como para ajudar-nos em sua realização[4]. Diante disso, cabe a todos e todas acolhermos sua iniciativa: deixar-nos existir e salvar por Ele, aceitando sua graça e colaborando com sua ação em nós e em todas as demais culturas e religiões.

Trata-se de reconhecer que Deus intervém na história, facilitando o acesso do ser humano a si. Há um emigrar-se, um sair de si a fim de estabelecer um encontro de liberdades, em que, quem sai ganhando é o próprio ser humano, que encontra resposta adequada à pergunta sobre o sentido de tudo e, principalmente, sobre o sentido de sua vida. A sua pergunta já é uma fala de Deus, pois a Revelação é algo tão intersubjetivo que fica difícil saber onde um começa e onde o outro termina[5]. No entanto, é necessário ter presente que, por ser amor e liberdade infinitos, Deus é quem toma iniciativa em revelar-se. Faz aquilo que quer e como quer, sendo que tudo o que faz é em favor do ser humano. Não se sente obrigado a isso e tão pouco o ser humano o merece. É, portanto, por sua intrínseca bondade que acontece a Revelação[6], conforme salienta a constituição Dei Verbum, do Concílio Vaticano II:

“Aprouve a Deus, na sua bondade e sabedoria, revelar-se a si mesmo e dar a conhecer o mistério da sua vontade (cf. Ef 1,9) (...) Em virtude desta Revelação, Deus invisível (cf. Cl 1,15; 1Tm 1,17), no seu imenso amor, fala aos seres humanos como a amigos (cf. Ex 33,11; Jo 15,14-15) e conversa com eles (cf. Br 3,38), para os convidar e admitir a participarem da sua comunhão” (DV 2).

No imenso universo que nos rodeia podemos contemplar a ação de um Deus Criador, que não poupou esforços em dar contornos de beleza a tudo o que existe[7]. Aí o ser humano consegue descobrir uma fala de Deus[8], pois toda natureza é revelação sua. “Na medida em que algo é, está sendo manifestação de Deus: assim como nos traços físicos de um rosto lemos diretamente a presença do espírito que o anima, também nossos ‘sentidos’ estão lendo nas realidades criadas a presença fundante do Criador”[9]. Que alguns a chamem “revelação natural” ou “manifestação cósmica de Deus”, a criação – mesmo com as suas limitações - é um lugar teológico, isto é, lugar onde Deus dá um constante testemunho de si. Os afrodescendentes a chamam de “Santuário de Deus”.

Além deste aspecto da natureza, o autor Andrés Torres Queiruga afirma que também a história é criação de Deus, pois toda a energia que o ser humano emprega para realizá-la brota constantemente do amor do Criador. Se a história tem a ver com a liberdade humana e esta é sustentada pela ação amorosa de Deus[10], então, a história torna-se resultado de uma ação conjunta: a do ser humano e também a do próprio Deus, que age na e através da liberdade humana. É, portanto, no exercício autêntico desta liberdade, que Deus se faz transparente como energia que sustenta e como amor que atrai[11], em vista da realização do próprio ser humano. Assim, “a revelação divina acontece na realização humana”[12], pois uma vez aparecida na história, a revelação torna-se também história[13].

Contudo, é necessário salientar que a revelação de Deus, embora aconteça no mundo, jamais se identifica com ele[14]. Não se pode limitar a revelação divina à realidade ou à simples captação humana, tão limitada. O Deus de quem estamos falando não é criação da razão humana ou uma projeção de suas carências.  “O Deus da revelação é o Outro não reduzível à medida humana”[15]. Qualquer tentativa de demonstrá-lo será sempre insuficiente, pois nada o pode conter e nenhuma representação humana lhe será apropriada[16]. A revelação de Deus ao ser humano acontece continuamente e “sempre na máxima medida que lhe é ‘possível’; de modo que os limites da revelação histórica não se devem a uma reserva divina, mas antes a uma incapacidade humana: a incapacidade constitutiva do seu ser finito”[17].

Deus é infinitamente maior do que a capacidade da inteligência humana pode abarcar e quando ela consegue perceber algo de sua presença, é porque Ele, a partir do seu amor ativo e generoso, está ‘sempre aí’, fazendo todo o possível para ser percebido. E o faz para todos e todas, na mesma medida. Portanto, a total transparência da revelação é impedida pela finitude da realidade. No entanto, descobrimos toda a realidade como manifestação de Deus. Em meio à obscuridade, há uma ‘evidência’ da revelação no real[18]. A partir desta ideia, Deus se dá a conhecer na sua totalidade, mas não pode ser conhecido todo. Mas há autores que dizem que no processo revelador, Deus não se dá a conhecer totalmente. Um destes autores é Bruno Forte. Para explicar esta dinâmica ele usa a expressão “Deus revelado e escondido”:

Assim, o advento de Deus pôde ser pensado como exibição sem reserva (...) Mas no princípio não foi assim: revelando-se, o Eterno não somente se pronunciou, mas também e altamente se calou. Deus revelado e escondido, “absconditus in revelatione – revelatus in absconditate”, o Deus do advento é o Deus da promessa, do Exodo e do Reino. Portanto, a sua revelação não é visão total, mas Verbo que vem do Silêncio e a esse abre[19].

De modo total ou com reservas, o grande êxodo que Deus realizou e realiza provoca um outro êxodo, fazendo-nos reconhecer que a revelação é antes de tudo um movimento de Deus até nós e somente assim é possível o nosso movimento até ele. Sobre isso o autor Carlo Dallare afirma que “um dia poderá ser dada a nós a graça de descobrir que não somos nós a ter alcançado Deus para conhece-lo, mas que foi ele a nos ter precedido no encontro e a nos ter colocado a caminho”[20]. O próprio Santo Agostinho chegou a colocar na “boca” de Deus estas palavras: “Tu não me buscarias se não já tivesse me encontrado”[21]. Esse é o caráter dinâmico que havíamos falado no início e que o autor Andrés Torres Queiruga chama de ‘sempre aí’, que indica a presença sustentadora e a união radical Deus-homem como raiz que alimenta e possibilita seu chegar sempre novo, vivo e histórico. Assim, toda a realidade é vista como um gesto ativo e voluntário de Deus, através da qual se manifesta e se revela constantemente ao ser humano[22], ‘pressionando’ com amor para ser acolhido livremente por sua criatura[23].

A evolução do mundo, o processo da história, o crescimento individual são radicalmente sua manifestação. Quando alguém consegue descobrir em tudo isso a ação criadora de Deus, que o sustenta para que se realize; quando percebe aí a liberdade divina, que amorosamente vai empurrando-o para a autenticidade e a plenitude; quando escuta aí a palavra de amor que o chama, então está acontecendo a revelação.[24]

O ser humano faz a descoberta de Deus presente em sua vida e na realidade, porque Deus lhe vem continuamente ao encontro. A revelação só é realmente autêntica quando o ser humano compreende que Deus é quem toma a iniciativa e possibilita esta descoberta. “Aí Deus vem a seu encontro para potencializá-lo e orientá-lo, de maneira que todo o restante fique finalizado nessa experiência, que o envolve todo como um ‘dossel sagrado’, conferindo seu último sentido ao inteiro projeto de realização cultural e social”[25]. Deus está “sempre aí”, ou seja, está o tempo todo se fazendo notar, em seu amor providente e sustentador, solicitando uma resposta livre do ser humano. A presença divina é transcendente, mas, ao mesmo tempo está aí para todos. Não chega de fora e não se impõe, apenas se oferece para ser descoberta e acolhida.

Author: Josuel dos Santos Boaventura PSDP - Fr Ndega
Theological review: ThD Fr Luis Carlos Susin




[1] TORRES QUEIRUGA, A. Repensar a revelação. p. 19s.
[2] Cf. FORTE B. Parola e silenzio nella riflessione teologica. p. 9. Em um outro artigo esse autor diz: “A revelação do Deus que vem tirar o véu que esconde, mas é também um esconder mais forte, é comunicação de si que inseparavelmente se oferece como um ‘velar’ novamente” (Id. Teologia fra parola di Dio… p. 5).
[3] Id. Per dire Dio ai cercatori di Dio. p. 2.
[4] Cf. TORRES QUEIRUGA, A. El Dios de Jesús., p. 4s.
[5] Cf. PIAZZA, W. O. Teologia fundamental para leigos, p. 139, apud BOAVENTURA, J. dos S. Op. cit., p. 385.
[6] Cf. TORRES QUEIRUGA, A. Repensar a revelação, p. 447.
[7] Mesmo que exista a tendência moderna de conceber a criação como um processo humano, histórico e criativo, o que leva à crença apenas no ‘progresso’. A natureza é, neste sentido, considerada objeto de manipulação, exploração e domínio. Em nome do progresso, estabelece-se uma relação muito utilitarista, em que um é sujeito e outro objeto. (cf. SUSIN, L. C. Op. cit., p. 11-13).
[8] “Pois, sem o Criador, a criatura não subsiste. Ademais, todos os crentes, de qualquer religião, sempre souberam ouvir a sua voz e manifestação na linguagem das criaturas” (GS 36).
[9] TORRES QUEIRUGA, A. Repensar a revelação, p. 449. “Não sendo movido por necessidade e carência, Deus cria unicamente por amor: cria homens e mulheres, como filhos e filhas, não ‘para a própria glória e serviço’, mas para que alcancem a máxima realização possível. Por isso, seu interesse decisivo é manifestar-se a eles e ajuda-los, revelar-se a eles e salvá-los. Existe um pai ou mãe decente que não procure o mesmo para seus filhos? Poderia esquecê-los uma mãe humana, mas Deus jamais (Is 49, 95)” (Id. Repensar o pluralismo, p. 111).
[10] É o que acontece, por exemplo, com a história bíblica, cuja intenção é “evidenciar a ação de Deus na própria história da ação humana” (Ibid., p. 188). “(...) é, mesmo quando disso não tem consciência, como que conduzido pela mão de Deus, o qual sustenta todas as coisas e as faz ser o que são” (GS 36).
[11] Cf. TORRES QUEIRUGA, A. Repensar a revelação, p. 186.
[12] Ibid., p. 163.
[13] Cf. Ibid., p. 190.
[14] Cf. Ibid., p. 181. Está de acordo com esta idéia o autor Francesco Consentino quando diz: “(…) Um Deus que se revela nos fragmentos da historia, sem nunca se transformar em um puro conhecimento científico e objetivo” (CONSENTINO, F. Op. cit. p. 14).
[15] FORTE, B. A teologia fra parole di Dio e parole degli uomini. p. 6.
[16] CONSENTINO, F. Op. cit. p. 13s. Veja aqui a idéia completa deste autor: “O cristianismo mesmo na sua essência, portanto, tem seu fervor la onde o ser humano compreende a sua vida como movimento de superação constante ao encontro de um Deus que aparece e aparecerá sempre como desconhecido e estranho e que não poderá nunca se reduzir nem à satisfação das próprias necessidades nem à representação humana”.
[17] TORRES QUEIRUGA, A. Repensar a revelação, p. 445. A este respeito, ele escreve também na obra Autocompreensão cristã, p. 20. Esta ideia é reforçada por Walter Kasper: “O mistério divino se manifesta dentro de nosso mundo. Podemos encontrá-lo na natureza, que enquanto criação de Deus nos remete ao Criador; no mistério que se revela no homem mesmo; e na história, que vive de uma esperança que significa algo mais que a história” (KASPER, W. apud TORRES QUEIRUGA, A. Repensar a revelação, p. 173).
[18] Cf. TORRES QUEIRUGA, A. Repensar a revelação, p. 449. “O original de Karl Rahner foi acentuar a implicação da subjetividade transcendental no processo da revelação. Segundo ele todo ser humano – e todo o ser humano – está impregnado pela presença da revelação. É constitutiva do homem a vocação para ser ‘ouvinte da Palavra’; o próprio movimento de sua existência, enquanto buscando realizar-se em sua verdade decisiva, já é ‘revelação transcendental’. A história das religiões e sobretudo a história bíblica enquanto determina definitivamente por Cristo são sua expressão reflexa e concreta: são a revelação propriamente dita, a ‘revelação categorial” (Ibid., p. 95).
[19] FORTE, B. Teologia fra parola di Dio e parola degli uomini. p. 5
[20] DALLARE, C. Op. cit., p. 13
[21] HIPONA, St. A. apud DALLARE, C. Op. cit., p. 13.
[22] Cf. TORRES QUEIRUGA, A. Repensar a revelação. p. 210.
[23] Cf. Id. Autocompreensão cristã. p. 75.
[24] Id. Repensar a revelação. p. 210.
[25] Ibid., p. 231.

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